quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Homem que queria morrer

Quando vai chegando o final do ano...
Alguma coisa quebra dentro de mim e parece ser como cristal, que nada pode voltar a colar.
Na minha rua todo mundo começa a sorrir. Estranho né?
Porque será? O que é o Natal,ou o Ano Novo?
Nada, nada mais é na verdade que o dia seguinte, ao anterior.
Me vem aqui na lembrança, o homem que queria morrer.
Você lembra meu amor?
Era essa época.
Ele era vitima de uma "máfia" de flanelinhas.
Era bem aqui, na minha rua.
As vezes nos finais de semana eu saia a esmo, tentando encontrar ar para respirar, e num desses dias, perto do Natal encontrei essa figura.
Ele dizia que queria morrer.
Não tinha coragem de se matar mas queria morrer.
Contou da sua vida, vindo da Bahia, deixando mulher e filhos para conseguir um futuro para todos e acabou na rua e passando fome aqui no mundo que compartilhamos.
Entrou no álcool, tinha frio e a pinga esquentava.
Tinha medo e a pinga dissolvia.
Tinha nada e a pinga mais nada lhe dava mas o fazia esquecer da vida, da familia longe, do sorriso dos filhos, do aconchego da mulher, enfim da desgraça que o acompanhava.
Ele era o homem que queria morrer.
Arranjou um emprego de flanelinha.
O chefe, Flanelão fazia assim: ia num boteco, comprava um pet de 2 litros de pinga prá cada funcionario. E pronto. Eles trabalhavam por aquilo. Viviam por aquilo. O dinheiro arrecadado era rapidamente pego pelo Flanelão porque eles chapados não tinham nem como esconder caso quisessem.
E assim o mundo deles ia...
Mas, ele queria morrer.
Sentia falta dos filhos, sentia falta da mãe, da mulher e do mundo em que vivia.
Não tinha como comprar passagem de volta, mas mesmo que tivesse dinheiro, de nada adiantaria pois supriria a falta maior que era a do vicio que o exterminava a cada dia.
Ele queria morrer, mas, já estava morrendo.
Era um suicidio lento, inconsciente, mas real.
Um ano depois, o homem que queria morrer estava desempregado, pois o Flanelão foi preso por estelionato.
Ele devia estar pedindo nas ruas, pois estava com dinheiro e em 31 de dezembro, a noite, tomou tudo o que suas moedas puderam pagar na lanchonete da esquina.
Traçou a rua cambaleando e caiu do outro lado estirado.
Ninguém pareceu ligar. Só mais um indigente na noite.
Quem quer saber? Negro, pobre, mal vestido, jogado no chão. Não isso é impossivel numa virada de ano. Não existe. Ninguém quer saber.
Enquanto bebiam e comemoravam a virada de ano, ele, caido, cabeça na sarjeta e pernas na rua, foi atropelado por um boy alcoolizado. Uma de suas pernas foi completamente esmagada.
O cara que passou em cima nem parou. Nem sei se viu. Afinal, não era importante. Só o homem que queria morrer. Só um nada, só um ninguém.
Quando os policiais de uma viatura que passava o perceberam, chamaram o resgate e ele foi internado num quarto opaco e triste do SUS.
Mas era tarde. Tarde demais.
O homem que queria morrer morreu.
Na virada do ano.
Sem ninguém.
Sem futuro.
Sem presente.
E para a sociedade, sem passado.
O ano raiava.
Era primeiro de janeiro.
Ele havia conseguido ter sucesso em algo afinal.
E os rojões explodiam no horizonte.

















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