quinta-feira, 11 de março de 2010

A modelo, o jogador e a prostituta

Muitas noites, madrugadas, saia sem rumo...
Parava o carro num lugar e ia andando a pé.
Vendo o mundo,
Sentindo Ele.
Absorvendo o q nunca absorveria pela internet.

Andava numa rua perto do centro.
Sem intenções,
Sem nada.
Apenas andava.

Escutei um blues.
Vinha de um barzinho e a banda tocava ao vivo.
Olhei o nome.
Blueteco.
Achei engraçado.
Fui até lá.

Eram quatro pessoas.
Tocavam e o bar estava cheio.
Não tinha onde sentar,
Pedi uma lata de cerveja e fui para fora fumar.

Muita gente na frente,
mas fui saindo pelos cantos procurando onde minha fumaça não incomodasse.
Tinha uma mulher linda e um cara nervoso falando com ela.
Ele fumava.
Pensei: Aqui tudo bem. Estão fumando.
Encostei. Acendi meu cigarro.

Ouvi ele dizer aos  berros, chacoalhando um livro preto:
- Você vende teu corpo! Você não é nada! Amanhã teus seios caem, você  fica obesa, fica velha, e ai?  Vai ter o que? Sua puta! Vai morrer na sargeta. Teu corpo não tem preço! Mas se quer se entregar, foda-se!
Entrou no carro, bateu a porta e saiu acelerando como um louco.

Eu estava perto dela, fiquei constrangido.
Não queria ter ouvido isso, e ela percebeu que havia escutado a conversa.
Olhou para mim.
Era linda. Os olhos verdes pareciam faróis.
Disse:
- Você ouviu?
- Claro, respondi. O cara estava berrando.
- Hipócrita. Só isso.
- Porque? Perguntei, hipnotizado pelos olhos dela.
- O que você acha que sou?
- Uma mulher linda.
- Não, qual meu trabalho?
- Prostituta. (tava na cara pela conversa que tiveram)
- Certo. Mas o que ele falou de mais relevante?
- Que era errado você vender teu corpo.
- Você já saiu com uma prostituta?
- Não pela função. Não aceito pagar para ter amor. Se eu puder, eu tenho por mim, do contrário, não quero.
- Você tem um cigarro ai?
- Claro. Marlboro. Aceita?
- Adoro. Manda.
Acendi e lhe dei, deu um trago e continuou:
- Você gosta de futebol?
- Mais ou menos. Quando o Corinthians tá na final gosto de ver. Idem copa do mundo e Brasil na frente.
- Aqueles jogadores, ganham, ou seja vendem algo. O que?
- Vendem a capacidade de jogar.
- Perfeito. Vendem a capacidade de serem excelentes por usarem seu corpo. Na verdade vendem seu corpo. Adaptado a realidade deles. Tire o corpo e acabou. Podem serem capazes, mas sem corpo....
- Eles treinam, eles se produzem.
- Nós prostitutas não? Sabe o que é estar com um cara bêbado e fedendo e deixar ele pensar que é o maior do mundo?
- É, deve ser difícil.
- Mas treinamos. Agora veja, você vê essas modelos que ganham um milhão para pisarem na passarela. Me diz. O que elas estão vendendo?
- O corpo.
- E um dia não vão ficar de seios caídos, obesas, velhas ou sei lá o que mais?
- Vão.
- Os jogadores não vão ficar velhos, corpo baleado e não poderem mais jogar?
- Vão.
- Então nesse capitalismo aqui, o que está sendo vendido no final?
- corpo.
- E porque não posso vender o meu? Porque envolve sexo? Jogador jogando a base de cocaína pode. Modelos anoréxicas podem. Mas nós somos descriminadas. E vendemos a mesma coisa: corpo. Não importa que parte. Se forem as pernas do jogador, as curvas da modelo ou meu sexo. Vendemos corpo.

- Mas vocês estão à parte do que se julga o bom para a sociedade, né?
- Sim, mas todos nós, ao ficarmos velhos vamos perder nosso meio de ganhar dinheiro. Seja puta como eu, seja o Ronaldinho ou a Gisele. Vendemos corpo. A diferença meu amigo, é a hipocrisia nisso tudo. Existe uma norma sobre quais corpos eticamente podem serem vendidos e quais não. E baseado em que?
Você vibra com o jogo do corpo daquele jogador. 
Você  se excita com o corpo daquela modelo. 
E você goza dentro do meu corpo.
O que muda?
Corpo.
Uns podem ser jogadores, outras modelos, e outras prostitutas.
São apenas corpos vendidos, comprados. Cada um faz o que pode.


Porque o fato de um pênis numa vagina pode ser pior que um jogo de futebol onde pernas lutam com pernas?
É corpo. Entende?
Você pode dizer, segundo muitas religiões que o sexo existe para procriação. Só. 
O prazer disso é simplesmente para fazer a procriação acontecer.
Então veja: Você tem boca porque?
- Para me alimentar.
-Isso. O suficiente para viver. Mas quando come um doce delicioso, ou toma um drink perfeito, isso é por sobrevivência? Você extrapola, tem prazer e  e pode.
Para que servem teus olhos?
- Para ver por onde ando. 
-Mas quando você olha coisas que não importam a tua sobrevivência, tipo o mar, um filme da hora, ai você tem prazer e pode.
Para que servem teus ouvidos?
-Para poder me orientar...
-Mas quando ouve a nona de Beethoven, não é um prazer? Isso não envolve tua sobrevivência.
Quero te dizer que usamos os sentidos  além do sobreviver. Usamos também por prazer. E tudo pode. Menos sexo. Porque?
Qual o tabú?
Qual a máscara?
Corpos se vendem em todo lugar, mas quando é sexo, ai  tudo fica escuro.
Aquele cara vende o corpo dele pelo que pode e sabe de futebol, mas tem que estar em forma.
Aquela vende o corpo dela  porque na passarela todo mundo baba e ela sabe andar.
Eu vendo o meu porque consigo fazer homens verem estrelas.
Todos nós, amanhã, não conseguiremos mais.
Vivemos de vender nossos corpos.
Enquanto eles forem o que querem que sejam.
Um coletor de lixo vende seu corpo para ficar correndo atrás de um caminhão o dia todo.
Quando não puder mais, perdeu o emprego.
Um atleta das olimpíadas vende seu corpo para ser herói.
Quando não puder mais, perdeu.
Eu vendo o meu para poder viver bem. Quando não puder mais, se não investi, perdi.
Atletas ficam na história.
Coletores de lixo não.
Nem putas.

(Nesse momento ela estava falando e chorando, quando escuto uma leve freada e um carro piscando a luz alta)

Ela diz:
-Tenho que ir. O que você tem a dizer sobre tudo isso?
Respondi:
- Bom Trabalho!

Ela me olhou novamente com aquele rosto lindo e os olhos feito esmeraldas,
Aproximou-se, deu um beijo na minha testa e disse:
- Fica com Deus.
Entrou no carro e sumiu na madrugada.

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